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O Trauma e o sentimento de Vazio interior



Podemos sentir e carregar o peso de um vazio interior, que pode ser um espaço da nossa história que reverbera no nosso corpo abandono e rejeição. Podemos saber de onde vem ou não. Independentemente de ser consciente ou estar alojado debaixo no nosso iceberg, escondido profundamente na nossa caverna, o nosso corpo guarda essa memória e manifesta-a. Muitas são as estratégias e narrativas de sobrevivência, e não vivência, que todos nós construímos. O alcoolismo, a toxicodependência, a pornografia e o uso do corpo (o nosso e do outro), as compras compulsivas, a dissociação do corpo e do sentir, a luta e zangas permanentes, entre outras, são tudo tácticas para aliviarmos a nossa dor do vazio. Um vórtice de dor, por vezes subtil outras vezes mais denso, que nos suga e vampiriza. Que nos deprime e enfraquece. Gosto de imaginar esta força energética como uma ferida aberta no centro do peito. Pode por vezes irradiar a sua energia para outras zonas do corpo também, tornando-se uma dor neuropática pela ligação à rede nervosa do nosso corpo, e até muscular e óssea, conforme a sua profundidade. Pode ser uma sombra grande da nossa psique, onde cabem muitas emoções reprimidas, como a tristeza, a raiva, zanga, frustração, vergonha, culpa, etc. Este é um espaço que nos suga para um buraco, uma toca escura, onde se nos torna difícil sentir a beleza, o amor e abundância da vida. É um espaço que nos coloca umas palas nos olhos e nos faz olhar apenas para o mesmo buraco, puxando-nos ainda mais na sua direção. É quase como a alegoria da caverna de Platão. Aprisiona-nos numa narrativa normótica. Como sair daqui e poder olhar o sol?




Não gosto muito de usar a palavra cura associada a traumatização. O trauma também nos molda e dá-nos a resiliência necessária para estarmos na Vida. Como as contrações do trabalho de parto, e o próprio canal, que ajudam a despertar o corpinho do bebé. Como as paredes do casulo de uma lagarta que permitem que as asas da borboleta tenham a força necessária para ela voar. A palavra cura parece-me estar associada a algo de errado que somos e que precisa ser tratado e mudado. Não o sinto assim. Não tenho nada de errado. Gosto de usar a palavra ressignificação. Tal como um arquétipo, que faz parte do inconsciente coletivo e influência o individual, não se muda mas pode ser reinterpretado para fora da sua normose. Estas feridas podem ser cicatrizadas mas ficam para sempre as suas marcas. A sensibilidade na nossa pele, nos nossos ossos, em todos os tecidos onde tocam. Elas fazem parte da nossa essência. Claro que não queremos que elas ardam constantemente, ou quando são tocadas, como gatilhos permanentes. Mas sendo este espaço um vórtice que nos suga na direção da nossa sombra podendo engrandece-la, torna-se fundamental, nutrirmos estas feridas com um vórtice de gentileza, paciência, atenção, proteção (tal como as compressas numa ferida). Cuidar a ferida pelos seus bordos e não indo diretamente ao seu centro. Ninguém cicatriza uma ferida pelo centro. Criarmos um vórtice de auto-cuidado na direção oposta ao vórtice de dor também é cardeal. Abrirmos as palas dos óculos escuros para olharmos e sentirmos todo um espaço infinito que existe além da força da escuridão. Alimentarmos a força da Luz Crística da vida é um ato absolutamente revolucionário. É a força e forma da ressurreição. Um bebé para crescer precisa estar no útero da sua mãe mas para viver não fica lá. A semente para crescer precisa primeiro estar dentro da escuridão nutridora da terra para depois se tornar árvore, mas não fica lá.

Como nos cuidamos? O que nos nutre? Quais os gestos de carinho, atenção que temos para com o nosso corpo? De nós para nós. As relações podem ser um marco importante na nossa vida de encontro, colo e cuidado mas também podem ser gatilhos que se manifestam inesperadamente, mesmo que o amor esteja presente, e muitas vezes está.


No inicio, tal como ir ao ginásio, o auto-cuidado é um músculo que se treina. A preguiça e as dores musculares batem à porta. Queremos que o vazio seja ocupado por outros. Ficaria mais fácil e alimentaria a preguiça. Mas será que conseguiríamos bater as asas ao sair do casulo se alguém o abrisse por nós? Será que conseguiríamos respirar plenamente ao sair do útero? Com o foco certo e intenção amorosa para connosco, passinho a passinho, como o caminhar de um caracol, os bordos da nossa ferida vão cicatrizando e as dores musculares transformam-se em força e compaixão.


As minhas ferramentas são conversar com os meus amigos, estar na natureza e conectar-me com a sua força e beleza, estar em silêncio, meditar, desenvolver a minha prática espiritual, a inspiração da pessoa de Jesus Cristo, ouvir música, ir ao ginásio, a fotografia, caminhar, nadar, ler, nutrir-me com pequenos gestos como beber chá, tomar um banho mais demorado, comer algo nutritivo, cozinhar ao som de música, a respiração consciente, ouvir o que o corpo precisa, a terapia somática, rir, brincar, etc.




O vazio faz parte mas agora ocupa outro lugar na sua pertença a mim mesma. O Vazio não sou eu mas uma parte de mim. Uma parte da minha história. Acolho-o. Dou-lhe colo. Porque ser "placenta continente para a criação de ambientes seguros, de presença e escuta ativa, para fazer travessias por entre territórios de desesperança, medo, lutos, ansiedade, e todos os convites que a vida nos trás, sustentando estas travessias com a nossa própria presença", citando Cecília Lauriano, é fundamental.


Quando em contacto com o vazio e histórias do outro, este vazio pode ser ativado. Mas agora, mais resiliente, consciente e com compaixão estabeleço limites preciosos entre o que é meu e é do outro. Aqui se dá o Encontro verdadeiro. Não deixo que a Luz que se fez crescer em mim, a passos de caracol, se desvaneça. Aqui, neste espaço, permito-me ser a força da Luz.

 
 
 

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