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A Arte da Música - O suficiente é suficiente

Que a música deverá ser o menos invasiva possível, oferecendo apenas uma oportunidade do ouvinte ficar mais perto dele próprio, confiar toda a ação emocional, espiritual, cerebral, corporal e etc, nele. A música como forma de evolução pretenderá ter o mínimo de ego na composição, só o suficiente para ela ser forma e ter um caminho, mas um caminho largo onde caiba muita ou toda a gente.

A envolvência em forma musical pretende levar pela mão, não a um lugar específico, mas aonde cada um quererá ou precisará aceder, sendo toda e qualquer responsabilidade do que daí advir do próprio ouvinte. Assim, ele estará a compor a experiência com o músico, fechando-se o círculo. Este constrói um patamar robusto, com alicerces mas sem paredes nem cores indicativas, evitando-se assim o risco de encaminhar o recetor a ir por aqui ou por acolá. Ao invés disso, ele -recetor- vai onde quer ou precisa, tendo como ponto de partida um determinado grupo de sons que, em conjunto, sustentam toda a experiência e dão estabilidade harmónica e de outras ordens à viagem que eventualmente poderá suceder. Nisto, o tempo tem talvez o papel mais importante já que a sequência é vital para o sucesso da composição, como a combinação dum cofre. Não obstante, haverá sempre espaço para a aleatoriedade que, usada com contenção, poderá abrir portas desconhecidas e abrir perspetivas não antes equacionadas, mas com resultados imprevisíveis. 

Partindo da premissa aqui apresentada, a voz com palavras afunila toda a experiência para uma mensagem que mesmo tendo duplo ou vários sentidos, gatilham para algo muito específico. Acontece o mesmo com a poesia, que quando declamada sugere uma interpretação, uma tradução de quem a declama e destrói toda e qualquer oportunidade do recetor construir a sua experiência.



"A poesia não pode ser dita muitas vezes

as consoantes pausam as vogais e fecham-se em som

não se pode dizer poesia muitas vezes porque a frontalidade do poema não se repete

caduca em som com facilidade

as moléculas que levam o som são filtros sujos de reação sonora e intelectual

quando lemos um livro não reagimos mais do que o necessário

a poesia a andar no ar queima-se

se já no papel fica esquentada...

a poesia um dia vai ser telepatia

as palavras que se tornam na poesia não devem ser fantásticas

devem ser construtoras, cinzentas, russas

a poesia, se calhar, não se deve dizer."


A música será, assim, como a política quando é bem feita: não deve ter-se consciência que ela lá está mas ela tem de lá estar, assegurando toda a estabilidade da experiência humana com o mínimo (repito) de invasão possível.


Carlos Martins

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