Quando falamos de xamanismo, falamos de um conjunto de hábitos e crenças culturais espirituais, que vêm da pré-história até aos dias de hoje, e que foram disseminados por todo o mundo por formas diversas. A compreensão do que está para além do visível apaixonou o homem, que como observador e espectador desta relação continua o invisível, tentou mostrar por imagens, fazendo a ponte no rito de desenhar a sua ligação com o Espirito do Universo e a Teia da Vida. É a cosmologia geográfica, cultural de cada local que vai dar o tom á capacidade criativa de criar tradições de religação social, comunitária e individual a esta Teia.
Traduzido e estudado por muitos, o que é comum a todos é a crença desta interligação do Tudo e de Todos, nesta grande Rede que é a Teia da Vida, que une planos interdimensionais e os reinos minerais, vegetais, animais, os elementos e os espíritos auxiliares e guias, que dão cor a esta Roda de Medicina que é a Terra. Cada um numa perspectiva circular onde nada está acima ou abaixo do outro, e todos têm uma perspectiva e centelha do sagrado. Para o Xamã o caminho da verdade é o do coração, vê com o coração.
As práticas xamânicas ensinam-nos que não viver bem em relação com o nosso coração e propósito de vida é o que nos mata. O xamanismo veio resgatar a ritualização da vida em todos os seus momentos. Reporta-nos ao observar para a sacralidade da acção, para a qualidade da presença, para quietude da consciência, para a expansão para além do ego e fala desta vivência do sagrado, ao vivermos conectados com a Mãe Corpo Terra que nos acolhe, sustenta, nutre e dá estrutura e palco de vivências múltiplas.Na perspectiva xamânica tudo o que vive morre e tudo o que morre vive, numa viagem circular de reciclagem eterna, a morte é parte natural da jornada da alma. Um dos ritos mais emblemáticos da iniciação xamânica é a decapitação. Este rito de passagem alquímico permeia a clara ideia que só entende a morte quem já morreu.
O fim de vida é dos limiares mais importantes e belos da vida, tal como nascer. Viver com medo deste momento, viver com medo de morrer ou na desresponsabilização deste momento, distorce a vida e rouba a morte do seu papel de aliado, de como viver bem.
Na Cosmologia que vive os mundos com uma simplicidade subtil poética, a mão direita tem a vida, a esquerda tem a morte, andam lado a lado como amantes.
No Ocidente e ao longo de muito tempo, cultivámos e cultivamos o afastamento da naturalidade do corpo, rejeitando os seus processos naturais sempre que estes nos falam da imprevisibilidade, da impermanência, do envelhecimento, da decomposição, da morte. Fazemos um mau trabalho porque não falamos do que nos confronta com a nossa própria finitude, o nosso ego sofre com estes espelhos e escamoteia formas cada vez mais mirabolantes de se afastar de si mesmo em essência.
Rejeitamos a morte, ignoramo-la, não nos atrevemos a dizer o seu nome com medo de a chamar, quando caminha sempre connosco, afastando este olhar de frente com naturalidade, retiramos também o ónus da responsabilidade da própria morte. Quem fica que feche a porta e decida. O momento da morte pode ser uma escolha, e é uma escolha poderosa, quando olhamos para este ponto de uma forma natural. O que assusta mais? Morrer ou viver mal?
O que farias hoje se sabendo que ias morrer amanhã?
A morte independentemente da crença que vivas, dos mundos que te habitem, das formas com que e como te relacionas, é um momento sagrado, e o momento e a forma como escolhemos transitar, fala muito da forma como vivemos.
Onde está o teu poder na morte? Mas antes de tudo reflecte onde está o teu poder na vida.
Carla Mourão
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