Artigo escrito pela doula Rita Lança em https://www.demyurga.com/post/ritualizar-a-morte-celebrar-a-vida
Este artigo apresenta uma breve súmula do vídeo disponibilizado em https://www.demyurga.com/ , referente à palestra “Ritualizar a Morte, Celebrar a Vida”, que dei a 26 de Junho de 2024, a convite da Universidade Federal de Tocantins, no Brasil.
Contextualizo o tipo de acompanhamento que desenvolvo enquanto Doula das Transições. Menciono a relação com os rituais à luz do meu percurso pessoal e profissional e a inspiração para me dedicar a investigar estes temas.
Traço uma contextualização teórica, desvelando questões para reflexão acerca da ritualização da morte e da celebração da vida, através de um paralelismo com a investigação que estou a desenvolver no Gana, no âmbito do estudo exploratório do meu Projeto de Doutoramento.
Por fim, aludo ao papel histórico e concreto que a doula assume nos rituais, sendo que o ápice da Palestra foi o momento de “bate-papo”, em que triangulámos perspectivas, guiados pelos universos referenciais e férteis curiosidades.
Curiosidade acerca da morte
Esta Palestra integrou-se no “Seminário sobre Doulas da Morte: Refletindo o Sentido da Vida” e nessa esteira, partilhei a curiosidade que a morte me tem suscitado desde criança, reforçando a importância de as famílias não castrarem estas manifestações.
Expliquei o quanto o olhar e a proposta de acompanhamento que manifesto, bem como a investigação que venho a desenvolver, se enraízam em cerca de duas décadas de proximidade com a comunidade e de diagnóstico concreto de necessidades que não encontram resposta institucional e/ou na rede informal de proximidade.
Espelhei, desde a minha vida, a forma como vejo e atravesso as transições, desde o lugar de “curadora ferida” -alguém que vive os seus próprios processos de morte, em que o que traz ao mundo é fermentado interna e externamente na realidade vivida.
África como inspiração
Colhi a inspiração no modo como se vive a morte celebrando-a em África e é a esta terra fértil que sempre regresso, como se dela nunca tivesse partido.
Menciono algumas das imersões que me têm moldado o espectro e onde busco recuperar o significado de tradições e rituais comunitários que ainda celebram a morte como parte da vida, desde o Egipto, a Angola, Cabo Verde, Madagáscar, Guiné-Bissau, Costa Marfim e Gana, bem como rituais muçulmanos, em Marrocos, na Mauritânia, Senegal e Gâmbia.
Partilho igualmente projetos que me inspiram, acerca de rituais fúnebres no mundo, atentos à fusão de novas práticas nos imaginários tradicionais.
Rituais e suas funções
Historicamente, os rituais tendem a assinalar transições da vida reconhecidas, assumidas e vividas tradicionalmente em contexto comunitário. Atualmente, na sociedade individualizada e secular acentua-se a tendência para a desritualização, mais evidente nos rituais de transição em torno da morte.
Nessa ótica, aprofundo o conceito de rituais e algumas das suas funções, discutindo a sua complexidade, enquanto fenómenos mutantes, marcados pela omnipresença e diversidade.
Reflectindo acerca das mudanças globais nos rituais fúnebres, debruço-me sobre exemplos concretos no nosso quotidiano, em que assistimos ao sfumato dos rituais.
Procurando um escopo prático, guiei uma contemplação evocativa do Samhain, um culto celta veiculado historicamente na Península Ibérica e proponho para discussão pensarmos acerca de tradições e ritos oriundos dos nossos próprios contextos de vida.
Gana, miríade de rituais
No âmbito do estudo exploratório do meu Projecto de Doutoramento, abordo a concepção Akan acerca do universo e a forma como enquadra a relação entre categorias de mortes, tipos e funções dos funerais no Gana.
Ilustro estas dimensões com um estudo de caso- o caso de Akweba- uma mulher de 97 anos, de uma comunidade Fante, uma sociedade matrilinear, da localidade de Winneba.
O Papel da Doula nos Rituais
Parto de uma linhagem histórica para demonstrar o quanto a figura da doula está intimamente ligada às celebrações que invocámos, enquanto portadora de conhecimentos ancestrais e ritos sagrados, veiculados no acompanhamento desenvolvido no seio das comunidades.
Desde essa lente histórica global, explico o quanto temos vindo a transferir esse acompanhamento para a esfera institucional, com inerente simplificação e/ou perda de rituais, entre outros fatores, devido à penetração do espectro mercantil nas práticas comunitárias.
Para finalizar, proponho que possamos refletir como (re)introduzir e (re)criar rituais no quotidiano, porque creio que a “Tradição não é o culto das cinzas mas a preservação do fogo”, tal como expressou Gustav Mahler, compositor e maestro natural da Boémia.
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