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Ecopsicologia.

A Ecopsicologia entende que na base do sofrimento humano e do sofrimento ambiental está a ilusão de que o ser humano existe separado do ambiente que o rodeia e do planeta que habita. Pelo contrário, o resgate da ligação entre o ser humano e a natureza é potencialmente reparador para ambos. Esta conexão passa pelo contato físico e psicoemocional com a natureza, pelo processo de luto face à sua devastação e pela consciência e ação ambientais. Por sua vez, a ação ambiental e um estilo de vida sustentável deverão florescer, não de um sentimento de culpa, mas sim de um movimento natural de amor intrínseco à nossa casa.


A perda é imanente à vida. Com ela, transformam-se os nossos olhares, face a nós mesmos, face aos outros e face ao mundo. Dar um lugar à perda passa por dar-lhe o espaço e o tempo que lhe são próprios. Sem inverno não existe primavera e, nesse espaço e nesse tempo que é o inverno, acolhem-se todos os sentires da dor. Acolhe-se também a permissão para que possam surgir, para que possam ficar e para que possam partir.



Nesse espaço e nesse tempo, reclama-se também o ritual tão necessário. Este ritual é tão único e tão pessoal quanto o é o próprio processo de luto. É intransmissível. É impressão digital. Com o ritual vem o movimento circular e contínuo, do que fecha para depois se abrir, do que termina para depois recomeçar. É um movimento em espiral e de retorno ao que foi belo. Que sempre o será.


(Em Ser Terra – o abraço da psicologia à natureza)

E aqui partilho convosco uma das muitas histórias do livro “Ser Terra”:


As asas da borboleta

A dor da perda e o luto


Individual e coletivamente receamos a dor da perda

e somos impacientes com ela. (...). A alma, contudo, tem os seus rituais de luto próprios, rituais estes que me fizeram mergulhar nos ritmos orgânicos da natureza.”

Robert Romanyshyn


O arco-íris em forma de círculo. Amplo, claro, aberto. Abre e fecha. Flic-flac. Tic-tac. Na hora do voo. Beleza volátil, força alada. Liberdade irrequieta. Dança de luz. Arrebatamento. Tanto que às vezes prende.


Flic-flac. Asa ferida. Na viagem. Foi preciso poisar. Repouso, camuflagem, reflexão. Tic-tac.

Foi preciso poisar na sombra para sarar a asa. Tic-tac, é tempo de espera. Cicatriza-se e cose-se o corte. É tempo de ritual, de cerimónia. Ritual de passagem, ritual de cor. Ciclo. Falam-se, tocam-se, sentem-se. Preces, gestos, sentires. Pedrinhas, chamas, sopros, flores.



Não tenhas vergonha, borboleta, é tempo de espera. Deixa aqui a tua cor e pinta serpentinas no ar. Deixa que os papagaios de papel a levem para além-mar. Asas transparentes agora. Não tenhas vergonha, borboleta. A beleza é a da asa e não a da cor. É a tua estrutura e é a tua raiz. Veios pequeninos que mais parecem ramos de árvore de um bosque em miniatura. Composição intrincada, onde foram gravadas canções de embalar. Tic-tac, dorme descansada, borboleta. E não tenhas vergonha.


Sonho reparador. Sonha, borboleta. Sonha com aquilo que já foi. Para que volte pintado com outra cor. Chora a cinzento. De saudade. Ri a laranja. De nervoso miudinho ou de partir o coco. Inventa a lilás. De nuvens de lavanda. Despede-te. Deita a pedrinha ao charco. Acende o lume. Sopra a prece. Faz uma coroa de girassóis. E não tenhas vergonha. Da sombra que leva a cor. Deixa que te bordem pontos na asa. Flic-flac.


Não tenhas pressa.


E eis que se remenda a asa e as cores já não são as mesmas. Lançadas com traços naïve, riscas sarapintadas. Preto e branco, luz e sombra. Ficaram alguns pontinhos sem cor, para ver quem passa. São janelas por onde espreita o universo. Que crescida que estás, borboleta. Com sete saias e sete mantos. Sem vergonha. Sem pressa. Tic-tac.


O luto transformou as asas.


E do ritual renasceu o voo.


Ana Sevinate

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