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Justiça climática- Perspectiva de uma doula

Atualizado: 11 de out. de 2020


Palavras Chave: Novas profissões - Ser Doula; Nascimento consciente; Amamentação; Final da Vida consciente; Ambiente.


Porque é que existe uma crise ambiental? Porque é que queremos consumir mais petróleo, mais minerais, simplesmente consumir mais, quando está a poluir a atmosfera, o planeta? Porquê? Por dinheiro? O que é que nos faz sermos humanos? Quem somos nós? Porque é que nos separamos um dos outros e de outros seres da espécie animal e vegetal? Se achamos que somos seres separados, o universo é-nos indiferente. A Terra é-nos indiferente. Tudo nos é indiferente. O nosso único propósito, como seres com uma visão achada superior, é poder usufruir de tudo o que pensamos estar abaixo. É uma visão triangular. A necessidade de controlo torna-se premente, para manter o pódio, e a agressividade também. Acho que isto espelha a sociedade humana. O mais engraçado e irónico é nós podermos ser destruídos por um simples vírus, uma bactéria e pela indomável zangada natureza. O nosso Ego trouxe-nos o desenvolvimento através da ciência do intelecto e esqueceu-se da ciência do Ser. Queremos consumir tudo. Fazer de tudo. Ser pouco. A ciência do Ser Animista deixou de ser integrada em nós, foi esquecida, e passou a ser uma falácia, alvo de escárnio. Esta crise nunca irá desaparecer se a base de Ser que nos sustenta não mudar. Se a nossa visão de Ser não mudar.

A campanha Empregos para o Clima defende a criação massiva de novos postos de trabalho no setor público, em setores-chave, para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa. Acredito que para além de pensarmos noutras profissões “do Fazer”, poderíamos e/ou deveríamos, também, refletir noutros saberes que nos ajudassem a potenciar a transformação social mas de dentro de cada um de nós, para fora, através, por exemplo, da atenção plena. Aprendermos a prestarmos atenção aos nossos pensamentos, emoções, sensações, movimentos e estímulos ambientais enquanto manifestações da nossa consciência, individual e coletiva, e encará-los de forma compassiva e não-violenta. Criarmos outras profissões onde o foco seria aprendermos a Ser antes do Fazer. Onde aprendêssemos a conjugar o Ser ao Fazer, por esta ordem. Acredito que as doulas deveriam ser uma destas novas e essenciais profissões.

Trabalho na área da saúde há mais de 17 anos como enfermeira. Tenho uma visão muito prática e realista do impacto que o nosso sistema de saúde tem no ambiente. No impacto que as nossas escolhas individuais e coletivas, no que diz respeito à saúde, têm no planeta. Sou doula também. Do nascimento e do final da vida. Tenho, assim, também, uma visão que sai fora só sistema e mais interligada com os ciclos da vida e da natureza. Acredito que a visão da doula é uma visão mais holística do Ser Humano e, logo, mais respeitadora do ambiente que o rodeia. A doula é alguém que compreende o processo do nascimento e da morte como momentos de transição de grande impacto em todos os Seres e no planeta. A doula não é profissional de saúde. Esta emergente profissão, a meu ver, é o resgate da ligação perdida entre nós e todos os seres. A doula tem a visão do Ser e não só da doença e da sua cura. A doula procura re-lembrar que o corpo é um templo sagrado, tal como a Terra. Procura re-lembrar que é importante aliar a cura da alma ao corpo e que quando a cura do corpo já não é possível é fundamental cuidar do espirito. Um não existe sem o outro.


Parto


A experiência do parto deve ser valorizada como um todo, tanto a nível emocional como físico. Nos dias de hoje o parto é tido como um processo médico e acolhido nos hospitais onde a instrumentalização está a crescer exponencialmente. É importante acolher as intervenções como algo que deverá ser utilizado como recurso e ferramenta para corrigir os desvios que a fisiologia do parto possa ter durante o processo de parto e nascimento, mas não como rotina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu novas diretrizes para estabelecer padrões de atendimento globais para mulheres grávidas saudáveis e reduzir intervenções médicas desnecessárias, nas quais recomenda que as equipas médicas e de enfermagem não interfiram no trabalho de parto de uma mulher de forma a acelerá-lo, a menos que existam riscos reais de complicações. Os benefícios, de um parto menos, ou não, instrumentalizado e medicalizado, para a mãe e bebé são muito superiores, não só a curto prazo mas também a longo prazo na saúde de ambos, e os custos para o nosso sistema de saúde igualmente muito mais reduzidos e, logo, para o ambiente.


Amamentação


A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança afirma a contribuição do aleitamento materno para a saúde de mães e crianças. O leite materno não é fabricado industrialmente nem ultra processado. A amamentação mantém o ambiente intacto. Dado que a produção e o consumo de leite artificial para bebes são uma das principais ameaças à amamentação e ao meio ambiente, é essencial aumentar a consciencialização ambiental sobre o seu impacto.

O leite humano não é desnatado, processado, pasteurizado, homogeneizado, embalado, armazenado, transportado, reembalado, seco, reconstituído, esterilizado ou desperdiçado. Mais importante para muitas pessoas hoje em dia, não é geneticamente modificado (GM). Ele não requer combustível para aquecimento, arrefecimento e está sempre pronto para servir na temperatura certa. Em resumo, é a comida mais ecológica disponível.”(Francis e Mulford 2000)

A alimentação artificial é insustentável e deixa uma pegada ecológica grande e pesada. O conceito de pegada ecológica inclui os recursos consumidos pela população humana e os resíduos deixados para trás. Além desses factores, a alimentação artificial envolve o seu transporte em todas as etapas da fabricação e marketing agressivo.

Ideias para garantir a justiça climática através da amamentação e parto:


1. Sensibilizar os políticos sobre a forte pegada ecológica da alimentação artificial e a contribuição positiva da amamentação para o meio ambiente, bem como do parto natural.

2. Sensibilizar ecologistas, líderes religiosos, jornalistas e tomadores de decisão envolvidos no estabelecimento dos objectivos de desenvolvimento sustentável.

3. Formação /sensibilização dos profissionais de saúde.

4. Orientar mães, famílias, cuidadores, população em geral sobre o efeito positivo da amamentação no nosso ambiente, bem como do parto natural.

5. Menos interferência no trabalho de parto por forma a acelerá-lo.


A saúde e o Fim de vida

O aumento da esperança média de vida, o aumento da incidência de doenças crónicas não curáveis e uma nova exigência social (melhoria dos cuidados de saúde no final de vida – apoio emocional, promoção de autonomia e morte digna), tornam a prestação de cuidados aos doentes em fase avançada de doença, com sofrimento ou em estado terminal, um dos factores essenciais de qualquer Sistema de Saúde. Urge o crescimento e implementação de projectos na área do final da vida e dos cuidados paliativos, em unidades de internamento ou no domicilio, que possibilitem uma prestação de cuidados adequada a este tipo de doentes. Para além de contribuir para a melhoria da qualidade de vida e para a diminuição do sofrimento o desenvolvimento de uma visão diferente sobre o final da vida é premente e insere-se numa visão de melhoria da eficiência global e de utilização apropriada dos recursos do Sistema Nacional de Saúde, de todos nós e do planeta.

Existem muitos desafios para a sustentabilidade dos serviços de saúde. As populações envelhecidas e a crescente prevalência de doenças cronicas, a proliferação e os altos custos de novas tecnologias em saúde, duplicação e lacunas na prestação de serviços devido a cuidados mal coordenados, práticas ineficazes, resíduos sistémicos e pressões económicas externas ameaçam a capacidade de manter os serviços de saúde em condições aceitáveis.

Na primeira década deste século, as despesas com saúde aumentaram de forma constante. Estima-se que as tecnologias da saúde sejam responsáveis por 25 a 48% do crescimento dos gastos em saúde. O crescimento não se deve apenas à adoção de novas tecnologias, mas também ao rápido aumento do uso da tecnologia existente.

Muitas intervenções na área da saúde podem reduzir os custos melhorando o acesso aos tratamentos, facilitando o diagnóstico precoce, diminuindo os internamentos hospitalares, minimizando os efeitos secundários dos tratamentos e valorizando a qualidade de vida dos doentes. O que é que o sistema de saúde pretende? Vender mais (medicamentos, exames, cirurgias)? Ter mais consumidores? Ter mais doentes? Quem é que ele pretende ajudar? As pessoas ou o próprio sistema?

Tal como no aleitamento (sendo este, por si só um medicamento natural para o bebé também), os medicamentos têm impacto ambiental grande. A indústria farmacêutica deixa uma pegada ecológica grande e pesada. Mesmo quando a cura já não é mais possível, e se deveriam fazer escolhas mais em consonância com a nova etapa de vida da pessoa doente, como os cuidados paliativos, o encarniçamento terapêutico é ainda a escolha principal. A não aceitação dos ciclos da vida, o medo da morte, a falta de formação também em áreas do Ser, para além do saber, como nos cuidados paliativos, levam-nos a consumir fármacos, exames, doenças. Estamos a tratar doenças e não pessoas. Tratamos problemas de órgãos e não um Ser Humano. Este nosso desencaminhamento induz a uma pegada ambiental colossal.

Proposta para garantir justiça climática:

1. Sensibilizar os políticos sobre a forte pegada ecológica do encarniçamento terapêutico, das escolhas não proporcionais às necessidades da pessoa doente, dos gastos em medicamentos e exames desproporcionais às necessidades, e da contribuição positiva de cuidados mais holísticos, para o meio ambiente. Da importância da articulação entre a medicina convencional e a não convencional.

2. Sensibilizar ecologistas, líderes religiosos, jornalistas e tomadores de decisão envolvidos no estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

3. Formação dos profissionais de saúde.

4. Formação / sensibilização da população

5. Criação de novas profissões no SNS: algumas já existentes e que se podem começar a articular com o sistema (medicinas não convencionais) como se pode verificar noutros países. Criação da profissão de doula.

6. Criação da Universidade de Medicina Integrada, com base no que cima referi.

A formação das doulas do nascimento e do fim da vida aborda, por exemplo, a autocompaixão, mindfulness, escuta ativa, empoderamento, etc, Procura ter uma visão diferente do Ser Humano. Procura formar o Ser Humano de dentro para fora.

Formas de economia solidária, permacultura, energia, mobilidade, etc, são áreas fundamentais para se perspetivar e criar um novo paradigma. É também importante não esquecer a arte e os ofícios das práticas que proliferam a consciência individual e colectiva: o Ser para além do Fazer. A transformação interior que se espelha no exterior. A arte das relações e das emoções. Criar novos paradigmas requer uma mudança radical do consumo e da sua origem. Se mantivermos este caminho podemos criar energias, agricultura, têxteis mais amigos do ambiente mas que, devido à sua excessiva e desnecessária procura, irão perpetuar o ciclo. Para o demover é importante ir à raiz do problema: o Ser.

Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta. Porque cada um de nós é um ente extraordinário, com lugar no céu das ideias. Se soubermos lavar a lama que se nos pegou quando aparecemos na terra, seremos capazes de nos desenvolver, de reencontrar o que em nós é extraordinário e transformarmos o mundo”.

Agostinho da Silva

Links usados:


ECO-death takeover: changing the funeral industry

Ana Catarina

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